A péssima experiência que tive escrevendo para a Folha de S.Paulo
Hoje entendo perfeitamente o motivo dos "jornalões" não mais se conectarem com os leitores
Corria o mês de março de 2022 quando meu telefone tocou e uma pessoa muito querida me fez um convite todo especial: ser colunista da Folha de S.Paulo. Eu fiquei muito feliz com o convite. Afinal, como leitor desde jornal ininterruptamente desde a adolescência (oi Estadão, leio você também) era um motivo de orgulho fazer parte de algo que sempre fez parte do meu dia.
Detalhes acordados, contrato assinado, manual de redação entregue na minha casa e agora era começar a escrever. E foi em 4 de maio de 2022 que estreei no jornal com a coluna São Paulo Antiga. O tema abordado? A charmosa Vila Holandesa localizada em Santana.
A coluna logo de início teve boa aceitação e caminhou para junto das mais lidas do jornal. Eu estava muito empolgado, orgulhoso e cheio de ideias e pautas para desenvolver. Entretanto desde o início senti um grande vazio de comunicação entre o colunista e o jornal.
Quem era meu chefe? Não se sabia. O que achavam na redação do meu trabalho? Não se sabia. A quem eu me reporto? Não se sabia. Era um vazio de comunicação onde a única pessoa que me salvava era uma colega responsável pelo portal da Folha (essa querida é nota 10). Por mais de um ano ela foi a única pessoa que se dispunha a me dar uma orientação, um rumo de como conduzir o meu trabalho.
Esse lapso por parte da Folha foi um grande choque de realidade. Descobri, na prática, que o jornal não está nem ai para o que você escreve. Vai lá você, publica e pronto. Dia 10 seu pagamento estará na conta.
Nunca me conformei com isso, eu queria um maior feedback para poder saber onde aprimorar o meu trabalho, corrigir eventuais falhas e até mesmo ter um termômetro do que eu escrevo. Em quase três anos isso nunca aconteceu.
Mas eis que um dia eu decido testar esse “sistema de indiferença” do jornal e publico uma longa reportagem onde mostro os abusos do consulado da Coreia em São Paulo, no bairro do Bom Retiro, querendo mudar nomes de ruas e a até da Estação Tiradentes, sem qualquer critério lógico e histórico.
A matéria obviamente bombou e dessa vez veio o retorno da redação. Ficaram bravos (com razão) quanto ao fato de eu ter escrito tal matéria sem prévio desembargo. Confesso que até lembrei do desembargo antes, mas decidi testar a tensão da corda.
Foi neste dia que percebi que a Folha de S.Paulo como jornal em defesa da cidade havia morrido e estava enterrado a sete palmos. A Folha na cobertura local se tornou um jornal bunda mole, fraco, mais disposto a publicar publis da Prefeitura de São Paulo, sob o patético nome de “Estúdio Folha” do que investigar os reais problemas da cidade. Não é a toa que o caderno Cotidiano, outrora, um dos mais caprichados do jornal da Barão de Limeira se transformou em um folhetim de breves notícias enfadonhas com não mais que três páginas.
A Folha abandonou o jornalismo de cidades, aquele mesmo que no passado fez do jornal o gigante que é hoje em dia. O Cotidiano hoje é o caderno mais covarde da redação da alameda Barão de Limeira.
Aliás penso que a matéria crítica sobre a Coreia deu algum quiproquó na redação que não fui informado. Semanas depois o jornal desandou a publicar matérias sobre comida coreana, eventos coreanos e afins numa velocidade que me trouxe estranheza. Depois viria a estrear uma coluna sobre a cultura pop coreana a tal K-Pop.
Prossegui no jornal e deixei para lá esse desprezo da redação comigo pois conversando com outros colegas colunistas percebi que não era algo comigo. O jornal está pouco se lixando para os colunistas, não há integração com a equipe do jornal, não há conversa sobre pautas e nem mesmo avaliação do seu trabalho.
Forcei algumas vezes um contato mais próximo e até fui recebido uma vez no jornal. Sim uma única vez fui recebido em dois anos e meio. Não houve interesse do jornal nessa aproximação. Nesse interim cheguei até mandar e-mail para o Sérgio D’Ávila que me respondeu que me chamaria para uma conversa que, obviamente, nunca aconteceu.
CONFLITO DE COLUNAS
Muito tempo depois me deparo com um novo colunista no jornal. Um experiente jornalista chegava para somar com uma coluna chamada “Andanças na Metrópole”, muito boa por sinal, mas com um problema: versava sobre os mesmos temas que eu.
Ciente do fato que o jornal não tem a menor obrigação de me informar sobre um novo colunista, reside aqui um problema. Não ocorreu por parte do jornal nenhuma conversa junto com os dois colunista para que não ocorressem temas parecidos ou assuntos repetidos para não ter uma redundância tola entre colunistas. Os dois ficaram à própria sorte ou, pelo menos eu fiquei.
A CENSORA ENVERGONHADA
Já com dois anos de jornal sou informado que finalmente passo a ter uma chefe. A minha coluna passaria para o caderno Guia Folha sob a supervisão de Marília Miragaia. Achei estranho pois não faço matéria de agenda, mas de cidades, mas ok, mudanças são bem vindas. Queriam minha coluna quinzenalmente no impresso do guia, acabei gostando.
Eis que a tal Marília me ligou. Fui alertado antes por uma colega de que ela não era das mais simpáticas, mas não esperava que fosse alguém tomada por tanta arrogância. Desde o princípio me tratou como se eu fosse um qualquer e que era um grande favor do jornal me permitir escrever por lá. Não vou dizer que me senti moralmente assediado, mas muito desconfortável.
Crítico frequente das mazelas da prefeitura com a cidade de São Paulo, fui logo avisado por ela que eu não poderia mais escrever sobre isso afinal, palavras dela, “não combina com o perfil do Guia". Em ano de eleição e de Folha publicando publis da prefeitura a torto e a direito me questionei (e sigo me questionando) se não foi uma censura prévia. Ela, ao menos, nunca admitiu.
Cansado da forma rude que ela me tratava a bloqueei no WhatsApp e decidi sair do jornal. A paixão que eu tinha para escrever para a Folha estava com a chama reduzida e ela apagou o pouco que restava.
Eis que depois de muita insistência respondi um email dela e a desbloqueei. Decidi dar mais uma chance ao jornal que tanto gostava mas o clima não era mais o mesmo. Trabalhar para a Folha (e para ela) não era mais motivo de prazer, mas de profundo incômodo e desconforto. Passei a escrever quase que de forma mecânica, sem qualquer carinho.
VOCÊ NÃO VALE NADA
Eis que chega dezembro e recebo um e-mail do jornal. O texto dizia que a partir de janeiro eu deveria emitir nota fiscal para receber. Ok, não vi problema nisso e fui abrir a tal MEI para receber do jornal. MEIs pagam uma taxa mensal de R$75.
Com a MEI aberta e pronta para encaminhar ao financeiro do jornal indaguei se eu poderia ter um acréscimo no meu pagamento mensal deste valor que iria gastar para não ter perda no meu ganho. Afinal acho justo que depois de quase três anos escrevendo eu não passasse, mesmo que indiretamente, a receber menos. A resposta? Um sonoro NÃO.
Trocando em miúdos o jornal dizia que eu não valia os reais que pedia para eles não de aumento, mas de controle de perdas. Como confiar e trabalhar para um veículo que te trata dessa forma? Me recusei e pedi para sair. Foi o fim melancólico do meu trabalho como colunista da Folha.
Desde então sempre que pego o jornal nas mãos (eu ainda sou daqueles que gosta da edição física) me lembro que para a Folha eu não valia uma correção financeira de R$75.
Coincidentemente, também passei a colaborar com a Folha em março de 2022. Diferente de você, não era um colunista oficial, mas um colaborador de uma outra coluna – focada em viagens. Quando o colunista oficial demitiu-se meses depois, fiquei igual uma barata tonta até ser informado que meus textos – que sempre ficavam entre os mais lidos dentro do segmento de turismo – não seriam mais necessários. Eu ganhava R$ 100 por texto (dois textos por mês) e, evidentemente, também precisava emitir nota. Trouxe meus textos para o Substack e não poderia estar mais feliz – até Olimpíadas cobri devidamente credenciado através da newsletter. A Folha parou no tempo.
Trabalhei por alguns anos em um jornal no interior de São Paulo. Comecei como revisora (cargo visivelmente extinto dos jornais) e logo cheguei a Editora Chefe. Nesse posto aprendi sobre imparcialidade e principalmente sobre publicidade. Não se fala mal de quem banca a folha de pagamento do jornal. Até que chegou o ano de eleição municipal e o dono do jornal o desarrendou, o pediu de volta e demitiu todos que ali trabalhavam. Afinal, ano de eleição no interior a única coisa que interessa é dinheiro e a única coisa a se publicar é release.